Levantamento da CNC aponta que essa é a maior retração desde 2016, quando o setor ainda sofria efeitos da maior recessão no Brasil
O efeito da pandemia da Covid-19 surpreendeu
os comerciantes em 2020 e o resultado gerou o fechamento de mais de 75 mil
lojas em todo País. É o que aponta um
levantamento realizado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo (CNC). Essa é a maior
retração no setor de lojas com vínculos empregatícios desde 2016, quando o ramo
ainda sofria os efeitos da maior recessão da história recente do País e 105,3
mil lojas fecharam as portas.
As consequências econômicas da crise sanitária sobre o setor foram sentidas
imediatamente após a decretação da pandemia global. Em março de 2020, houve
recuo de 14,4% no volume de vendas em relação a fevereiro e, no mês seguinte,
um novo tombo histórico foi registrado: -17,7% na comparação entre os meses de
abril e março. A partir de maio, o setor voltou a registrar avanços mensais,
restabelecendo o nível de faturamento do mês anterior à pandemia já no mês de
agosto.
Essa rápida reação do setor só foi possível graças a uma combinação de fatores
que permitiram restabelecer as condições de consumo, como o fortalecimento do
comércio eletrônico, a flexibilização das medidas restritivas na virada do
primeiro para o segundo semestre e a disponibilização do auxílio emergencial.
O especialista em economia da CNC, Fabio Bentes, pontua que todo o avanço vem
sendo perdido. “Essa recuperação veio perdendo força ao longo do ano, e com a
chegada da segunda onda no final de 2020, mais especificamente em dezembro, o
setor apresentou uma queda bastante expressiva de 6% nas vendas, em comparação
ao mês de novembro”. De acordo com Bentes, a tendência para o primeiro
trimestre de 2021 é de crescimento mínimo e possível queda nas vendas,
especialmente no mês março.
O fato dos consumidores, na sua grande maioria, serem dependentes da compra
presencial afetou o desempenho das lojas. Na primeira metade do ano, quando o
índice de isolamento social chegou a atingir 47% da população, as vendas
recuaram 6,1% em relação a dezembro de 2019. Na segunda metade do ano, quando
se iniciou o processo de reabertura da economia e foram registrados os menores
índices de isolamento desde o início da crise sanitária, as vendas reagiram,
avançando 17,4%.
O professor de economia do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC)
do Distrito Federal, William Baghdassarian, acredita que os consumidores optam
pela compra presencial para ter acesso a mais opções, verificar de perto o
produto desejado e, por esse motivo, houve queda no consumo. “Na loja você tem
o diferencial do atendimento, então, o vendedor pode te trazer algum tipo de
informação nova, ele pode contribuir de forma indireta para sua compra.”
Ainda de acordo com o economista, alguns setores, como o alimentício, não
estavam preparados para a adaptação do serviço, como delivery. “Os restaurantes
conseguem agregar valor exatamente pela experiência do consumidor estar ali,
presente. Mas você não consegue agregar valor só pelo nome numa entrega
delivery, por exemplo. Esse modelo, é um modelo que em tese gera menos renda
para o comércio varejista em geral”, pontuou.
De acordo com o relatório da CNC, os seis
primeiros meses de 2020 fizeram com que 62,1 mil pontos de vendas fossem
fechados, e na segunda metade do ano, 13,1 mil comerciantes encerraram as
atividades. Os ramos mais afetados foram o de vestuário, calçados e acessórios
(-22,29 mil) seguido pelos hiper, super e minimercados (-14,38 mil) e pelas
lojas de utilidades domésticas e eletroeletrônicos (-13,31 mil).
Os micro e pequenos empresários foram os mais afetados. Eles correspondem à
maior perda de pontos de vendas no País, totalizando 98,8%. Thiago Borges, dono
de um Hookah truck (espécie de bar móvel) em Brasília, foi um dos
microempreendedores que fechou o comércio no começo da pandemia da Covid-19. Um
ano depois, ainda não conseguiu retomar as atividades.
“É complicado porque a pandemia ‘veio do nada’ e nós, que somos comerciantes,
tivemos que arcar com os prejuízos. Tive que fechar as portas e me virar
encontrando outra forma de trabalho”, explicou.
O Distrito Federal ocupa a 13° posição no ranking de comércios brasileiros
afetados. Mas o impacto de saldos negativos podem ser vistos em todo o País. Os
estados da região Sudeste, com exceção do Espírito Santo, foram as unidades que
mais perderam comércio. São Paulo teve 20,30 mil estabelecimentos fechados,
Minas Gerais perdeu 9,55 mil e Rio de Janeiro 6,4 mil. Apesar da baixa, é
possível observar que a região Norte teve queda mínima, como mostra o gráfico
abaixo.
Comerciante na capital de São Paulo, Telma
Francesco, fechou no último domingo (7), a loja de roupas infantil que tinha há
cinco anos. De acordo com ela, o auxílio emergencial ajudou a manter o
estabelecimento, pois a clientela que o recebia ainda frequentava. Mas com o
fim do benefício, as portas da loja tiveram que ser fechadas. “Quando o auxílio
acabou, os clientes ficaram sem renda e eu tive que fechar a loja, pois as
vendas não supriam os gastos, as dívidas estavam acumulando e tive reajuste no
meu aluguel.”
Apesar disso, Telma mantém a esperança e espera reabrir a loja quando a
economia for restabelecida.
Cenário incerto
Levando em consideração a evolução da crise
sanitária e os impactos sobre o nível de isolamento social da população, a CNC
revela que a vista para os próximos meses ainda é incerta. Desse modo, foram
projetados três cenários, associando o índice da evolução das vendas no varejo
ampliado e a recuperação do saldo de lojas ao longo de 2021.
No cenário básico foi previsto a redução de cinco pontos percentuais no índice
de isolamento social da população até o fim de 2021, em relação a dezembro de
2019. Neste caso, as vendas avançariam 5,9%, em comparação com 2020, e o setor
seria capaz de reabrir 16,7 mil novos pontos de venda este ano.
Em um cenário alternativo mais otimista, no qual o isolamento social retornaria
aos níveis pré-pandemia (30% da população), o volume de vendas cresceria 8,7% e
29,8 mil estabelecimentos com vínculos empregatícios seriam abertos ao longo do
ano.
Por fim, um quadro mais pessimista, no qual o confinamento da população se
mantivesse ligeiramente abaixo (3 pontos percentuais) do patamar observado em
dezembro do ano passado, o saldo entre abertura e fechamento de lojas
terminaria o ano em +9,1 mil unidades.