Estado tem predomínio desproporcional à população. Mais crianças
trabalhando são menos alunos na escola, alerta especialista
O estado e a cidade de São Paulo lideraram os índices de
trabalho infantil do país na última década, segundo dados do Smartlab,
plataforma de estatísticas do MPT (Ministério Público do Trabalho), em parceria
com a OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Entre as unidades federativas, o estado paulista apresentou
16.886 notificações ao Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação)
relacionadas ao trabalho infantil (de 5 a 17 anos). O número representa 32% do
total no Brasil (51,4 mil).
Nos dados sobre acidentes do trabalho com crianças e
adolescentes, a discrepância é maior ainda: São Paulo teve 8.410 casos, que
representam 48% do total; o país apresentou pouco mais de 17 mil. A capital
paulista também lidera os mesmos índices entre municípios. Foram 3.875
notificações ao Sinan, acompanhadas por 920 em Franca (SP), 877 em São José do
Rio Preto (SP), 731 em Goiânia (GO) e 581 em Rio Claro (SP) entre as cinco
primeiras.
Já em relação aos acidentes, foram 1.525 em São Paulo. As
cidades mais próximas, nesse caso, são Curitiba (PR), com 400, Porto Alegre
(RS), com 261, Belo Horizonte (MG), com 242, e Rio Preto (SP), com 225.
O município paulistano também teve o maior número de denúncias
de trabalho infantil ao Disque 100, com 968 registros. Rio de Janeiro (RJ), com
568, Manaus (AM), com 521, Brasília (DF), com 508, Salvador (BA), com 430, e
Fortaleza (CE), com 371, aparecem logo na sequência.
Para Bernardo Leoncio Moura Coelho, representante de São Paulo
na Coordinfância (Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Infantil), do
MPT, a diferença de São Paulo — superior até em proporção, se consideradas as
populações de todos os estados — pode ser explicada pela subnotificação nas
demais regiões.
“Nas cidades paulistas existe uma organização da rede de
proteção maior que nos outros estados. Esses casos são trazidos a conhecimento,
não ficam no limbo. Muitas prefeituras não querem admitir trabalho infantil —
por exemplo, cidades turísticas que não desejam divulgar que há crianças na
rua”, pondera Coelho. Em São Paulo, os órgãos de proteção são muito ativos,
segundo o advogado.
Um problema identificado pelos profissionais do MPT e que
atravessa todas as regiões é uma subnotificação “muito grande e clara”,
sobretudo nos últimos dois anos.
“Pela vivência que temos da cidade, o trabalho infantil
aumentou. Mas como não tivemos o Censo em 2020 nem neste ano, que são os dados
mais completos que temos, ficamos com esses dados oficiais. Um exemplo é a
discrepância de dados que existem entre São Paulo e Rio: nesse último, os
registros de acidentes são 10% do que temos aqui. Não é crível, mas é o que
temos de dados. A subnotificação acontece muito, ainda mais agora em período de
pandemia”, conclui.
Evasão escolar é consequência
Um dos efeitos mais prováveis relacionados ao trabalho infantil
é a evasão escolar, segundo Bernardo Coelho. As crianças e adolescentes, ao
entrarem em jornadas exaustivas todos os dias, terminam por abandonar os
estudos.
“São dados que se comunicam. Quando uma criança começa a
trabalhar, ela não tem condição de ir para a escola no outro dia. A evasão é um
dos índices para acompanhar o aumento do trabalho infantil”, diz o representante
da Coordinfância.
Para ele, no entanto, essas estatísticas ainda são difíceis de
ser avaliadas em conjunto, uma vez que também há subnotificação nos dados sobre
evasão escolar: “Apesar das competências do Conselho Tutelar, das escolas, isso
está sendo subnotificado. Os dados divulgados estão aquém da realidade. A
escola teve uma saída muito grande, por questões como a pandemia e as aulas
telepresenciais, e [os alunos] não terem acesso aos meios”